sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Cooperativa de Turismo – Por quê é tão difícil dar certo?

Caçula dos ramos do cooperativismo brasileiro, o ramo Turismo e Lazer, por suas especificidades, ainda é pouco difundido e conhecido. Mesmo assim, há conquistas a serem comemoradas.

Com potencial turístico inquestionável e bastante diversificado devido à sua extensão territorial e à diversidade de culturas, climas e infraestruturas que possibilitam a prática de diversos tipos de atividades turística, o Brasil se destaca como um país onde é possível praticar mais de 20 tipologias variadas de turismo, a exemplo de aventura, ecológico ou ecoturismo, científico ou de estudos e intercâmbio, de compras ou de consumo, cultural, desportivo de eventos e negócios, náutico, religioso, rural ou agroturismo, social, de sol e praia.
Números do Ministério do Turismo (MTur) mostram crescimento permanente no número de chegadas de turistas ao Brasil no período de 1970 a 2013. De 2000 a 2013, por ano, mais de 500 mil pessoas entraram no Brasil como turistas, atingindo o patamar de 5.813.342, com a receita cambial turística brasileira atingindo a cifra de US$ 6,7 bilhões, o que corresponde a 0,58% de tudo que é faturado no mundo com a atividade
Além disso, o ambiente econômico e o Turismo também foram beneficiados pela ascensão social de cerca de 31 milhões de brasileiros entre os anos de 2003 e 2008. Desse total, 19,4 milhões romperam a linha de pobreza (classe E) e 1,5 milhão migraram da classe D para classes superiores. Com isso, nesse período, ocorreu uma queda acumulada de 43% na classe E. Agrega-se a esses resultados o ganho, em 2008, de 6 milhões de pessoas para classe AB.
O documento Turismo no Brasil 2011 – 2014, elaborado pelo Conselho Nacional de Turismo, fala da correlação entre o ambiente econômico e a expansão da atividade turística: “Quando a economia cresce, o nível da receita disponível aumenta e parte desta receita é gasta com atividades afetas ao Turismo. Por outro lado, a redução do ritmo de crescimento da economia frequentemente resultará na diminuição do gasto turístico”.
A realização de eventos internacionais no Brasil também influencia positivamente e sinaliza para a expansão do mercado internacional do Turismo no Brasil. Os números International Congress and Convention Association  (ICCA) relativo aos maiores captadores de eventos no mundo aponta que o Brasil subiu da 19ª posição ocupada em 2003 para a 7ª posição, sendo que, apenas em 2009, foram realizados 293 eventos internacionais e 315, em 2013.
Petrucio Magalhães jr - Presidente do sistema OCB-SESCOOP-AM - Fotos Vinícius Rocha - Coopcom (5)
Petrucio Magalhães Júnior, diretor do ramo turismo e lazer na OCB
Além deste crescimento no número de eventos captados, o relatório do CNT destaca que, a cada ano, um número maior de cidades brasileiras se insere no rol de hospedeiras de eventos internacionais, indicando uma desconcentração na oferta de destinos qualificados para o turismo de negócios. O ápice desse processo de captação de eventos internacionais foi a Copa do Mundo de 2014 e será as Olimpíada de 2016, além de eventos conexos, que colocam o País em destaque no cenário mundial e abrem grandes perspectivas para o desenvolvimento do Turismo brasileiro.
Outro dado, entre as muitas informações relevantes apresentadas no Turismo 2011 – 2014, mostra que, em 2009, existiam 36.846 prestadores de serviços cadastrados em situação regular no Sistema de Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur, do Ministério do Turismo, representando aumento de 6,1% comparado a 2008.
Analisando a atividade Turismo como um todo, estudos mostram que essa matriz econômica exerce impacto direto e indireto em outros 52 setores. Dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), no Brasil, para cada 11 integrantes da População Economicamente Ativa (PEA) um exerce atividade impactada pelo setor, sendo que a média mundial é de nove para um.

cooperativismo de turismo e lazer

Dos 13 ramos do cooperativismo brasileiro, o mais novo é o que reúne iniciativas na área de Turismo e Lazer. Criado em 2000, reúne cooperativas que prestam ou atendem direta e prioritariamente o seu quadro social com serviços turísticos, lazer, entretenimento, esportes, artísticos, eventos e de hotelaria.
O objetivo das cooperativas do ramo é o de trabalhar suas bases e diretrizes visando a aproveitar o potencial natural do País nesse setor. No total, estão em atividade 25 cooperativas registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e distribuídas por menos da metade dos Estados brasileiros. Juntas, congregam 1.696 cooperados e 245 empregados. Com esses números, é também um dos menores, ficando atrás apenas do ramo Especial, que congrega apenas oito cooperativas.
Cooptur Castrolanda (1) copy
Os resultados do Ramo Turismo e Lazer comparados ao desenvolvimento do turismo no Brasil mostra uma incongruência. Essa constatação somada às contribuições das cooperativas à sociedade – geração de oportunidades de trabalho, distribuição de renda, preservação do meio ambiente e desenvolvimento da consciência cidadã – e ao fato de o usuário também ser beneficiado por preços mais acessíveis torna todo o cenário ainda mais dicotômico.
Remy Gorga Neto, representante Nacional do Ramo Turismo e Lazer na OCB, didaticamente, para facilitar o entendimento, divide esse escopo em duas partes. A primeira, para ele, abrange as cooperativas que prestam serviços turísticos, artísticos, de entretenimento, de esportes e de hotelaria. Assim, os associados dessas cooperativas são profissionais das áreas de turismo, como turismólogos, guias, técnicos em turismo; das artes, como artistas de teatro, cinema, TV, circo; de entretenimento, como animadores, show mens, criação e apresentação de vídeos/filmes; da área esportiva, como técnicos de diversas modalidades, preparadores, personal training; de hotelaria, como governança, camareiras, recepcionistas.
A segunda parte engloba cooperativas que atendem direta e prioritariamente o seu quadro social nessas áreas. Como explicita Gorga, são cooperativas cujos associados são usuários/consumidores dos serviços turísticos, relativos a operadoras e agências de viagens, clubes recreativos, clube de férias e hospedagem, hotéis cooperativos, ou empreendedores turísticos, principalmente na área do
turismo rural.
Por essas características, o coordenador Nacional do ramo Turismo e Lazer, acredita que o número de cooperativas no setor seja bem maior, pois “devido à diversidade de tipos das cooperativas do Ramo, as Unidades Estaduais do Sistema OCB, muitas vezes registram em outros ramos cooperativas, que, por seus objetivos, seriam do Ramo Turismo e Lazer”. Exemplificando, cita casos de cooperativas de artistas e técnicos ligados às artes cênicas (teatro, dança e circo) que não estão registradas no Ramo Turismo e Lazer.
No entanto, até 2008, tudo era ainda pior, pois apenas após a entrada em vigor da Lei Geral do Turismo, de 17 de setembro daquele ano, o Ministério do Turismo (MTur) passou a exigir, a partir de 2009, que as cooperativas de turismo e lazer fossem registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) para poderem se cadastrar no Cadastur.
E aí, é natural surgir a pergunta: se o cooperativismo promove a justiça social e o desenvolvimento das pessoas e comunidades, porque em um País como o Brasil é tão difícil prosperarem cooperativas de Turismo e Lazer?
Professor e pesquisador de Turismo, Doutor em Gestão e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Málaga, Eduardo Jorge Costa Mielke – no artigo “Cooperativas de turismo; uma estratégia ao desenvolvimento turístico integrado; análise do Roteiro dos Imigrantes (Paraná, Brasil)”, veiculado na Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. v.4, n.1, p.92-111, abr. 2010 –  afirma que como são organizações de economia social, as cooperativas estimulam “a cooperação entre agentes da sociedade, entre comunidades no local e regiões vizinhas e serve como um veículo para o estímulo do desenvolvimento econômico tendo o turismo como setor atuante na composição da economia regional. Ao mesmo tempo, é característico do cooperativista um comprometimento grande em tudo aquilo que se faz para poder gerar resultados concretos e benéficos no seu grupo, descobrir novas opções ou áreas de atuação para a cooperativa, pode ser uma das alternativas de diversificar”, reflete, e provoca ao questionar: “por que não criar competitividade, sendo uma alternativa bem interessante em se tratando da gestão de destinos e da forma de organização turística integrada”.
Justificando sua posição, Mielke lembra que hoje em dia não é possível atuar unicamente pensando nestes princípios, sem considerar e realizar ações estratégicas e competitivas de mercado aliadas às motivações do grupo, realidade esta, mais uma vez, imposta pela globalização. Como alternativa, fala do turismo rural como aquela modalidade que “permitiria aliar os recursos naturais aos anseios e desejos que o visitante tem por espaços diferentes do seu habitat tradicional, ou seja, dos espaços urbanos; pensar em desenvolver ações cooperativistas no turismo rural, permitiria criar maiores opções de oferta de mercado, consequentemente diversificaria a demanda existente para todos, já que estaria atuando em um novo campo de atuação”.
Definindo a exploração do potencial turístico brasileiro, de forma empreendedora e coordenada, como um fenômeno relativamente recente, Petrucio Magalhães Júnior, diretor do Ramo Turismo e Lazer na OCB, lamenta a quase inexistência, nas grades curriculares dos cursos de graduação e técnicos, de disciplinas voltadas à disseminar o cooperativismo.
Como consequência, “os profissionais chegam ao mercado sem conhecer essa forma de organização societária. Esses dois aspectos conduzem à criação de empreendimentos em outros formatos que não o de cooperativa”, diagnostica Magalhães, e informa que “a OCB tem defendido os interesses do cooperativismo nas três esferas de Governo, buscando propiciar ambiente favorável para que as cooperativas possam desenvolver suas atividades. Além disso, a OCB dá suporte ao Conselho Consultivo do Ramo, ferramenta primordial para a construção do alinhamento nacional e de busca de entendimento e soluções para as questões particulares do Ramo.

Futuro promissor

Por ser recente no Brasil e por suas especificidades, o Ramo Turismo e Lazer ainda é pouco conhecido e difundido, embora tenha um potencial muito grande para se desenvolver, pois atua em setores expressivos como turismo, lazer, artes e entretenimento.
A alternativa, na visão de Magalhães, é o ramo consolidar sua atuação dentro e fora do cooperativismo, via implementação e fortalecimento “das ações de intercooperação, uma vez que as cooperativas de turismo e lazer têm vocação para atender os demais ramos em diversas atividades, desde a simples emissão de passagens até a organização de grandes eventos técnicos”.
Para alcançar o nível e desenvolvimento desejável, compatível com o potencial turístico e a capacidade empreendedora do brasileiro, o diretor na OCB entende que é fundamental que o ramo “estruture suas demandas e necessidades, definindo pontos de atuação para, juntamente com o Sistema OCB, levar as cooperativas desse segmento a novos caminhos, atingindo objetivos e metas, através do desenvolvimento sustentável de seus empreendimentos”.
Barocs (1)
Entre os projetos para 2015, Magalhães lista o objetivo de trazer para as cooperativas do ramo, de maneira clara e objetiva, as possibilidades disponíveis no que diz respeito a políticas públicas de apoio e fortalecimento do turismo.  Diversos programas desenvolvidos pela instituição, como o Programa de Acompanhamento da Gestão Cooperativista (PAGC) e o Programa de Desenvolvimento da Gestão das Cooperativas (PDGC), também contribuem para o desenvolvimento da gestão das cooperativas de todos os ramos, inclusive o Turismo e Lazer.
De acordo com informações de Gorga, o Conselho Consultivo do ramo está propondo a criação de um marco regulatório e um alinhamento nacional sobre o Ramo Turismo e Lazer. Essas ações terão como objetivo a definição da tipologia das cooperativas que atuam na atividade, o que é fundamental para o embasamento das Organizações Estaduais na orientação para a constituição de cooperativas desse ramo e, por conseguinte, para a organização e desenvolvimento do ramo no Brasil.
Entre os setores com especial potencial para o desenvolvimento das cooperativas do Ramo Turismo e Lazer, o coordenador nacional no âmbito da OCB cita o turismo rural. “Os empreendedores desse setor podem potencializar as atividades por meio da organização de roteiros que envolvem diferentes atrativos, como restaurantes rurais, pousadas ou hotéis fazenda, agroindústrias e atrativos naturais de uma mesma região. A cooperativa, nesse caso, pode atuar de forma a prestar serviços aos associados desde a promoção do roteiro, comercialização de pacotes integrados, guiamento, estrutura logística, até a realização de serviços administrativos, como contabilidade conjunta, entre outros”, explica.
Cooperativas de consumidores de produtos e serviços turísticos é outra modalidade que tende a se expandir no Brasil, na opinião de Gorga. Como exemplo fala da recém constituída Cobap Viagens – Cooperativa de Turismo e Lazer vinculada à Confederação Brasileira dos Aposentados. Com um universo de aproximadamente 250 mil aposentados ligados à confederação, a cooperativa já nasce com excelentes perspectivas, prevê.

Cooptur, Sol & Mar e Solinegro: três exemplos de sucesso

Em que pese toda a problemática do ramo Turismo e Lazer, três cooperativas, em regiões diversas do País, destacam-se, premiando a persistência e a coesão entre seus cooperados.A Cooptur – Cooperativa Paranaense de Turismo, a Cooperativa Sol & Mar de Turismo e Lazer, com sede em Brasília (DF), e a Cooperativa de Transporte e Turismo Ambiental com Base Comunitária da Amazônia – Solinegro, de Manaus (AM).

Cooptur

Em 2001, convênio entre o Ministério dos Esportes e Turismo e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) selecionou dez estados para implantação do projeto Turismo Rural Cooperativo. O Paraná foi o primeiro e único a conseguir a formação de uma cooperativa: a Cooperativa Paranaense de Turismo (Cooptur), constituída em 2004, na sede da Cooperativa Batavo.
Primeira cooperativa de empreendedores de turismo do Brasil, a Cooptur enfrentou desafios, que, segundo Dick Carlos de Geus, presidente da Cooptur, referem-se à conciliação entre poucos associados sediados em seis municípios diferentes e com uma grande distância entre eles.
Vencida a primeira dificuldade, outras surgiram e envolvem a comercialização e a operação de roteiros em regiões onde não há apelo turístico, apesar do potencial resultante de cultura e paisagem singulares. Destaca, também, que “as dificuldades são inerentes a destinos que ainda não estão estruturados e recebendo turistas de uma forma mais sólida, como conseguir clientes, alavancar negócios, etc.”
Hoje, está presente em 12 municípios que trabalham juntos em busca de um turismo sustentável e de qualidade, cumprindo seu objetivo: “trabalhar na atividade turística focada na história do cooperativismo, que é a essência do segmento, envolvendo tanto cooperativas brasileiras, quanto do Exterior”, informa Geus.
A Cooptur possui rotas culturais, de ecoturismo ou turismo de aventura (cachoeiras e cânions) e roteiros técnicos, como a Rota do Leite. Também implementa roteiros técnicos de Imersão em Cooperativismo e treinamentos vivenciais da prática do cooperativismo.

Sol & Mar

Cooperativa que atende aos seus associados com produtos e serviços turísticos, a Sol & Mar foi constituída em 2003 e tem atuado, principalmente, como agência de viagens e com a prestação dos serviços de hotelaria em hotéis cooperativos. Conta com 764 associados, muitos cooperativas de outros ramos, que, “em vez de contratarem uma empresa para atender as suas necessidades, praticam a intercooperação e utilizam os serviços da Sol & Mar”, comemora Remy Gorga Neto, que soma a presidência da cooperativa à coordenação nacional do ramo.
Especializada em intercâmbios técnicos internacionais a já levou mais de 500 cooperativistas brasileiros para conhecer experiências em outros países. A partir de 2015, será ampliado o portfólio de intercâmbios, além de destinos tradicionais (Mondragon, Desjardins e DGRV), formando grupos para a participação em feiras e eventos.
Mas o projeto mais importante e inédito da cooperativa, segundo Gorga, é o sistema de hotéis cooperativos, empreendimentos hoteleiros pertencentes à cooperativa, mas de uso dos seus associados que adquirem, por meio da integralização de capital, períodos de utilização, no hotel, que são de seu uso vitalício. Após a consolidação do primeiro hotel cooperativo, na cidade de Caldas Novas (GO), em breve, lançará empreendimentos em cidades turísticas do nordeste. A vantagem “é que o associado adquire o que realmente vai utilizar, uma semana por ano, por exemplo. Dessa forma, o investimento e os custos de manutenção são proporcionais, além de poder permutar o seu período em outros empreendimentos da cooperativa ou de hotéis parceiros, em diferentes localidades”, explica

Solinegro

Organização de trabalhadores do turismo e transportes (barqueiros treinados e habilitados para o transporte fluvial), a Solinegro atuando nos rios do Amazonas, nas cercanias de Manaus, atendendo seus clientes com pacotes padronizados ou a partir de pacotes avulsos, combinados com os clientes e contemplando diferentes locais de visitação.
A Solinegro foi fundada em 2012, tendo como motivador a Copa do Mundo realizada em 2014. Como explica Herculano Borjes Auzier, secretário e diretor executivo da cooperativa, a Solinegro foi legalizada com o apoio da OCB-AM e do Sebrae, que, inclusive, ministrou cursos de gestão para os 24 cooperados, que são também os proprietários das embarcações.
O número de cooperados foi definido pela Superintendência Estadual de Navegação, Portos e Hidrovias (SNPH), “por conta de outra cooperativa e de uma associação que estão sediadas no Porto da Vila da Felicidade, Porto do Ceasa de Manaus”.
Herculano está falando da Associação dos Canoeiros dos Portos da Ceasa e Careiro da Várzea (ACCPCV) e da Cooperativa de Transportes Fluviais do Careiro da Várzea, que fazem o transporte intermunicipal por via fluvial.
Fonte: http://www.mundocoop.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário